sábado, 24 de maio de 2008

Tormentos e Ressurreições

Se você acompanha o Gamer Atrasado, sabe que eu sou um grande fã do gênero dos RPGs, os vulgos jogos de interpretação de papéis.No mundo dos jogos eletrônicos, esse foi um termo que se perdeu um pouco, visto que na maioria dos jogos desse gênero, o jogador começa controlando um personagem de traços já definidos.Eu não estou dizendo que isto é uma falha (é só um mais jeito de contar um história através do jogo, afinal).Mas vale ressalatr que esse tipo de RPGs, principalmente orientais, não tiraram o espaço dos RPGs mais voltados á tal da interpretação de papel, estes tipicamente ocidentais.Este nicho é principalmente influenciado pelo RPGs de mesa, estes sim genuínos jogos de interpretação de papel (e também, segundo a sempre adorável imprensa nacional, máquinas de produzir assassinos satanistas) onde o jogador monta os atributos do seu personagem, a partir de um sistema de jogo.Esse tipo de abordagem mais livre para o jogo também tem as suas armadilhas (veja a quantidade incrível de “hacks and slashs” e MMORPGs vagabundos que existem nos cantinhos escuros da cultura gamer), e também as suas próprias limitações, principalmente no que diz respeito á temática.Mas por sorte, acaso, ou por interferência do grande titereiro da existência, sempre aparece um jogo para quebrar e depois dançar em cima dos cacos da convenções de algum gênero.Será que alguém está afim de mais uma análise desmedidamente longa e ligeiramente épica?Porque eu estou!


Planescape:Torment foi lançado no final de 1999 pela Black Isle, empresa também responsável por outros clássicos do RPG ocidental, como o cultuado Fallout, e também auxiliou no desenvolvimento do também querido Baldur´s Gate.Aliás, Planescape compartilha a mesma engine de jogo deste último.Porém, isso não é a única que os jogos compartilham, já que ambos utilizam-se do sistema e da ambientação do universo dos RPGs de mesa Dungeons and Dragons.Então, Planescape deve ser uma aventura familiar para esse pessoal que tem dado (de 20 lados) em casa, não?Hã-hã.Embora eu não jogue RPG desde a quarta série, quando eu jogava RPG de Pokémon com moedas de cinco centavos, e então não possa comentar sobre esse ponto de vista, posso dizer que Planescape é um dos jogos menos convencionais que já tive a satisfação de experimentar (e olha que eu já joguei muitos jogos desse tipo).


Pra começar, o jogo se vale da licença do universo Planescape, um dos mais interessante do domínio D&D.Nesse universo, fé é poder;se muitas pessoas acreditam em alguma coisa, ela se torna real.Além disso, este universo é composto de vários planos interligados por portais, ao invés de longos continentes.Esses planos podem ser encarnações físicas de ideais, domínios de criaturas cruéis ou projeções da vontade de um indivíduo, e são acessados através de portais abertos não por chaves e magias, e sim por sentimentos, sensações e lembranças.Boa parte do jogo se passa na cidade de Sigil, a "cidade das portas", que serve de lar para boa parte dos portais interplanares do multiverso.Isso cria um ambiente bem diferente do que normalmente se espera para um jogo de alta fantasia; ao invés de elfos e anões, temos uma variedade de criaturas curiosas, estranhas e assustadoras (todas bem documentadas numa muito útil database que explica quem são todos os seres que você encontra), todas misturadas dentro de um mundo sujo, bizarro, sinistro, grotesco, sórdido, belo, poético e ás vezes patético.Mesmo com a ambientação propícia, os designers fizeram questão de desviar-se habilmente de outros clichês, coisa que se percebe tantos nos pequenos detalhes, como o fato de que não existem espadas para se utilizar no jogo, apenas machados, martelos e adagas, e nos grandes, como no fato do protagonista do jogo ser genuinamente feio (como a equivocada capa do jogo demonstra), cheio de tatuagens e cicatrizes.Ele é um imortal, afinal de contas.


Pois é, seu personagem é imortal.Quando o jogo começa, o tal do Nameless One, como ele vai ser conhecido, acorda, desmemoriado, em cima de mesa de um mortuário, e é rapidamente informado disso pela caveira flutuante Morte, que é também o seu primeiro companheiro de time (e também o principal alívio cômico do jogo, com sua atitude irônica e ligeiramente tarada).Quando a energia do personagem principal se esgota, ele é simplesmente transportado para uma determinada locação, com a energia cheia(e até mesmo os aliados do Tiozinho Sem-Nome se aproveitam disso, visto que o herói ganha bem cedo no jogo o poder de retornar a vida á eles).Esse fato dá uma dinâmica nova para o jogo, já que, como o seu personagem tecnicamente não pode "morrer", os combates, que normalmente são a tônica dos RPGs, para dar lugar os diálogos, exploração e resolução de enigmas.Essa própria mecânica de não poder morrer é usada para resolver um puzzle num calabouço propositadamente letal, durante um momento particularmente inspirado do jogo.Essa característica com ares de maldição vai ser o principal motor da busca do Nameless One.Quem ele é, e porquê não pode morrer?


Quando você começa a explorar as ruas de Sigil, você começa a perceber lentamente que a imortalidade do seu personagem, com suas múltiplas encarnações anteriores, causou diversos impactos na vida de muitos indivíduos, sendo odiado ou insultado por
alguns deles.Durante algumas conversas com os diversos habitantes da cidade, o Nameless One vai se lembrar de alguns dos fatos de suas vidas passadas, e com isso ganhar experiência, habilidades novas e atributos.Mas isso não é tão simples quanto parece, pois existe bastante gente para falar nesse jogo, o que é acentuado pelo fato de que os NPCs genéricos mesmo são relativamente poucos, então existem muitas histórias para ouvir, quests para aceitar, e brigas para arranjar.Eu não vou negar: na maior parte do tempo em Planescape você estará simplesmente lendo texto.Mas esse fato não é definitivamente um demérito na qualidade do jogo, exceto em algumas situações em que o texto é um pouco excessivo e gratuito.Apesar de ser um pouco estranho de início o fato de que alguns eventos são mais descritos em texto do que acontecem na tela, no geral, o texto é de uma qualidade muito superior a da maioria dos jogos (o que por si só já é uma proeza e tanto, já que o jogo tem por volta de 800 mil palavras), cheio de frases inteligentes para encher nicks de MSN e diálogos profundos para mexer com o filósofo presente dentro de você.Há momentos inclusive de sutil brilhantismo, como quando o personagem principal experimenta uma visão arrebatadora encarnando as emoções de sua amada fantasmagórica Deionarra.


Não só nos diálogos, como também na composição dos personagens que o jogo acerta em cheio.Os personagens que se juntam ao seu grupo se juntam não apenas por causas em comum ou outros motivos cabalísticos,como nos demais RPGs, mas porque o Nameless One tem a capacidade único de atrair almas atormentadas como ele (daí o nome do jogo).E todos os personagens, sem exceção, são memoráveis; se juntam ao seu grupo uma bandida invocada dotada de uma cauda, um mago insano permanentemente em chamas, uma sucubbus que fez voto de castidade, um honrado guerreiro com código de honra complexo e uma arma que se metamorfoseia, uma armadura ambulante que na verdade é a encarnação do espírito da justiça, e um ser mecânico que não sabe o que fazer direito com a própria individualidade.Os personagens também contribuem para o desenvolvimento da jornada do herói (ou anti-herói, você também pode ser mau a beça no jogo), já que a sua presença pode influenciar nas decisões ou abrir novas soluções para problemas.Os personagens também trocar frases e farpas entre si enquanto você viajam, e um diálogo com um deles pode gerar acontecimentos surpreendentes, como bônus de atributos e habilidades, e até mesmo um relacionamento mais íntimo...Durante o combate, os personagens também tem habilidades distintas, que fogem um pouco do rígido sistema de regras e classes do D&D.Morte, por exemplo, pode usar a sua "Liturgia de Insultos" para deixar qualquer inimigo irado contra ele, e que esta fica mais forte toda vez que ele escuta novos insultos.


E os eventos que embalam esses personagens também não ficam atrás nos quesitos bizarrice e exotismo.Durante o jogo, você vai:reunir um sujeito com a sua cabeça perdida;fazer o parto de um beco (sim, eu disse beco);viajar para o primeiro nível do inferno;recobrar a habilidade de sonhar;salvar uma cidade de ladrões e traidores de um anjo vingador;visitar o Bordel do Saciamento das Luxúrias Intelectuais;salvar a vida de muitos;matar outros tantos;se aliar á facções com filosofias próprias, e muitas vezes contraditórias;enfrentar três versões diferentes de si mesmo;desvendar um assassinato;ser vítima de uma maldição que te faz soluçar eternamente;atravessar um calabouço criado aleatoriamente por seres que querem aprender por que aventureiros visitam calabouços;ser aprisionado num labirinto aparentemente sem saída pela Senhora da Dor, a "dona" de Sigil;comprar chocolates mágicos de um mago viciado em doces;falar com as cinzas de um lingüista falecido para aprender uma língua morta;e por fim, lutar contra a sua própria mortalidade numa fortaleza localizada no Plano Elemental da Negatividade.


Então a história é boa, correto? Então porque ao invés de se darem ao trabalho de fazer um jogo não escreveram um raio de um livro?Bom, primeiro, houve realmente uma novelização do jogo, mas ela sofreu com diversas diferenças em relação á trama do jogo,o que acabou minando seu possível sucesso(e como novelizações de jogos eletrônicos são mais risíveis até do que filmes de jogos eletrônicos, é melhor desconsiderar).Outra coisa, eu não se se o prezado leitor se lembra, mas, durante a análise de um jogo meio desconhecido há um tempo atrás, eu ponderei se os jogos não poderiam evoluir de mera diversão passageira para um nível de interação artística maior, e único.Posso disser que Planescape pertence á essa categoria distinta que ultrapassa a definição simplista de jogo.Aqui, o jogador está por trás de cada uma das ações do personagem principal, e também no controle de como cada uma delas vai afetar o jogo.Em mais de um momento o jogador se vê diante de uma escolha difícil, do ponto de vista moral e filosófico, já que esta escolha desafia as preconcepções deste último.Sem contar que a possibilidade de escolha entre as interações(o que faz a história do jogo obter um sentido próprio para cada um que joga), porém a escolha das consequencias nem sempre estão sobre controle.Esse tipo de reflexão através da interatividade é algo que só o veículo midiático dos jogos (e em alguma situações, o teatro e as artes eletrônicas) pode alcançar.È uma pena que a nossa imatura (mas economicamente relevante) indústria não se dê conta de todo o potencial disso.


Mas enquanto eu estou limpando o pedestal intocável onde eu vou depositar esse jogo daqui a pouco, é hora de lembrar que ele está longe de ser uma experiência irretocavelmente perfeita, já que a maior parte das etapas de combate são meio capengas.No começo do jogo, as batalhas são meio arrastadas, pois parece que os personagens e os inimigos demoram muito para efetivamente causar dano uns nos outros.Conforme o jogo avança, o problema se torna outro; os inimigos sempre parecem muito mais fortes (e na maioria das vezes realmente são) do que o seu grupo, causando algumas batalhas serem sovas repetitivas e frustrantes.È possível pular a maioria das batalhas do jogo escolhendo algumas alternativa certas de diálogo ou simplesmente fugindo desabaladamente dos inimigos(o que gera uma chateação extra, pois ás vezes os cenários são muitos largos, e clicar num ponto distante do mapa pode fazer seus personagens ficarem presos em outro ponto no caminho).O problema é que em algumas situações o combate é praticamente inevitável, sem contar que no terço final do jogo, os combates começam a ficar mais frequentes e intensos, o que complica as coisas se os seus personagens não estão suficientemente fortes.Tendo em vista também que o jogo não segue a rota tradicional do ganho de experiência, pois fazer quests e recobrar lembranças rendem bem mais experiência que chacinar monstros, e as armas e equipamentos realmente bons são raramente comprados, e sim encontrados, o que coloca o combate do jogo numa posição meio deslocada, principalmente por que o texto é a estrela do jogo.È claro que existe a opção de abaixar um pouco a dificuldade do jogo, mas aí onde fica a minha honra???


Mas existe outro problema que eu não sei se é tão imediato quando este último, mas acaba afetando o jogo á longo prazo: é o excesso de fé que os designers puseram na teoria do caos em ajudar o jogador, somado á predisposição do próprio jogo de ferrar este último.Explica-se:itens e habilidades importantes para o prosseguimento do jogo nem sempre aparecem em alto relevo, e se o jogador por um acaso não explorar direito um determinado cenário, ou atingir determinado nível de um atributo, ou falar com o personagem correto, ele pode se ver irremediavelmente empacado, pois vai acabar não encontrando esses elementos essenciais.Por outro lado, escolher opções erradas podem fazer com que, por exemplo, todo um cenário se revolte contra você, o que nem sempre é bom, visto que o combate, como dito, é meio tosco, e alguns desses personagens que podiam lhe dar informações valiosas agora querem o seu couro porque você xingou a mãe do líder deles.Outro empecilho é que alguns enigmas são bem obtusos (o que aproxima o jogo um pouco dos adventures antigos) e a solução para estes á vezes vem de uma quest que o jogador não fazia idéia de que estava conectada á esses eventos.As soluções muitas vezes estão escondidas bem nos cantinhos mesmo; por exemplo, é fácil, fácil para quem está passando pela primeira vez no jogo não encontrar dois personagens do grupo simplesmente porque chegar até eles demanda sequencias de métodos obscuros demais.Isso acaba por forçar o jogador á procurar por um guia (ou walkthorugh, ou detonado) para ajudá-lo a se orientar, o que neste jogo é um verdadeiro pecado, pois isso essencialmente arruína a surpresa das várias das possibilidades que o jogo tem a oferecer (e eu estou dizendo isso porque eu -obviamente- tive de usar um desses).


Apesar dos pesares, Planescape tem uma característica que definitivamente me chamou a atenção, e que pode servir como redentora do jogo para os mais pacientes.O jogo todo tem uma narrativa e uma estruturação de jogabilidade, que se constrói em volta de um tema, exemplificado pela pergunta aterradora da bruxa malvada Ravel Puzzlewell, uma personagem essencial para a trama.Sendo um imortal, o personagem (e por extensão, o jogador), está supostamente livre de qualquer julgamento moral.Porém, o soberbo final do jogo atesta que não é sempre assim.O motivo pelo qual o Nameless One se tornou imortal é tão dolorosamente humano que é impossível não se identificar com ele, e o final demonstra que nem sempre podemos fugir do nosso destino.O que podemos fazer sim é lutar com todas as forças pelo que acreditamos; mesmo que fracassemos no final, teremos orgulho de termos pelo menos lutado.


Bom, vamos ás considerações finais; por mais que eu tenha gostado deste jogo, eu me encontro numa posição difícil de recomendá-lo para alguém, visto que o excesso de texto e a fluxo de jogo meio mal planejado podem afastar os jogadores menos dedicados.Porém, é um jogo com qualidades artísticas invejáveis, portanto se você for um fã de RPGs de mesa ou um gamer culto e esnobe, este é uma boa pedida.Infelizmente, esses é mais um (sim, mais um) jogo que eu analiso que foi um relativo fracasso comercial, e hoje é bastante desconhecido (como muitos jogos que eu gosto, por sinal- e por falar nessa lista, Planescape:Torment é um dos dois jogos maravilhosos que eu mencionei que estava jogando á época; o outro envolve um elfo de roupas verdes e uma certa princesa do crepúsculo).È lógico que com aquela capa feia pra diabo não ia vender mesmo, mas mesmo assim, Planescape tem uma certa apreciação tardia, sendo, por exemplo, indicado no Hall da Fama dos Games do site Gamespot e ficando em na posição 71 na prestigiosa lista dos melhores jogos de todos os tempos do site IGN (a frente de jogos como, ahem, Final Fantasy 7).Um feito simples para um imortal esquisitão e seus companheiros destrambelhados.Mas no final, resta apenas uma pergunta:


"O que pode mudar a natureza de um homem?"

domingo, 4 de maio de 2008

Cyberpunk de Butique

O chegada do novo milênio afetou as artes de formas diversas.Paranóias como o desenvolvimento da tecnologia para além do controle humano, o risco de epidemias globais, e a mancha crescente do terrorismo, criaram um clima de desesperança semelhante ao dos tempos da Guerra Fria, e a sua grande ameaça de um final atômico para a humanidade.Não, não, eu não postei sem querer um trabalho de Geografia no lugar de um novo texto no Gamer Atrasado (apesar de que eu ultimamente estou demorando tanto para atualizar esse blog que tá valendo postar qualquer coisa).A introdução é pra contextualizar um jogo que talvez seja um dos poucos a conseguir realizar um comentário político coerente, e ao mesmo tempo, introduzir uma forma ampla de jogar.


Deus Ex foi lançado em meados de 2000, pela desenvolvedora Ion Storm (os mesmos do catastrófico Daikatana) e é um jogo de tiro em primeira pessoa que não se conforma em ser apenas isso.Leia-se:atirar não é nem de longe a única coisa que se faz no jogo, já que os desafios que são propostos para o jogador não vem com uma resposta pronta para como devem ser resolvidos, e sim o jogador e que deve se virar para conseguir arranjar uma solução.Aliás, seria até difícil encaixar Deus Ex apenas um gênero.Seria um FPS com elementos de RPG?Um jogo de aventura com stealth e ação?Ou tudo isso junto?Tal e qual System Shock 2, o seu antecessor espiritual, do qual Deus Ex herda a interface elegante de interação em primeira pessoa, o sistema de inventário e melhoramento de personagem ao estilo RPG, e a história intrigante, que aqui está mais próxima da fiçcão científica do que do horror, mas consegue ser tão instigante quanto o thriller biológico e claustrofóbico de SS2.E Deus Ex também tem alguns membros da equipe que fez SS2, só pra constar.


O jogo se passa num futuro distópico e sombrio, por volta do ano de 2050, onde o jogador encarna o agente secreto JC Denton, membro da UNATCO, uma organização formada a partir da ONU para combater o crescente terrorismo no mundo.JC tem um diferencial dos outros agentes da organização, porém; é dotado de vários poderes provenientes da nanotecnologia implantada no seu corpo, poderes estes que lhe concedem várias vantagens operacionais nas missões de campo.Mas no momento em que as coisas começam, a situação está feia.O mundo está sendo vítima de uma praga terrível conhecida como "Gray Death", e como não existe antídoto suficiente para toda a população, os ricos e poderosos são priorizados.Além disso, grupos terroristas bagunçam ainda mais a caótica ordem de poder, com ataques constantes, como o que destruiu a Estátua da Liberdade(inclusive, durante as passagens do jogo em Nova York, não há nenhuma visão das torres do World Trade Center.Apesar delas não estarem ali por causa da falta de capacidade de processamento de memória, a explicação dada pelos produtores do jogo foi a que as torres haviam sido destruídas por um atentado terrorista antes dos eventos do jogo.Só que o jogo foi lançado em 2000, um ano antes dos fatídicos atentados.Eu, hein...) .Porém, não é um lugar onde se deve acreditar em tudo que se escuta, como o agente JC vai aos poucos perceber.O que parece relativamente simples é linear ao começo do jogo vai se revelando uma história multifacetada, cheia de conspirações e reviravoltas.


Aliás, se você gosta de histórias de teoria da conspiração, (como eu) provavelmente vai adorar a história de Deus Ex.Conforme começa a se descobrir os responsáveis e os motivos pelas desgraças que acometem o mundo, entram vários elementos e organizações secretas que todo junkie de conspiração adora, como os Iluminati, os Majestic 12, as Tríades de Honk Kong,a Area 51, os Cavaleiros Templários, inteligências artificiais controlando tudo, monstros genéticos...(Inclusive, haveria até uma conspiração maior por trás de tudo, a de que JC Denton seria na verdade um descendente de outro JC, um que segundo alguns nasceu á 2008 anos atrás...)O jogo tem um clima meio cyberpunk, com todo o clima pesado e dark das incertitudes do novo milênio (ás vezes ate demais, tendo em vista que durante o jogo todo o jogador não explora um único ambiente durante o dia) mas também tem influências visuais notáveis de filmes como Matrix e Blade Runner, e da serie Arquivo X.A história aqui é contada de um jeito mais tradicional, com cutcenes e diálogos, mas também é possível encontrar livros e jornais que detalham ainda mais o panorama político caótico do futuro.Outro ponto positivo são as dublagens variadas e normalmente bem-feitas (exceto a horrível dublagem do personagem principal, que não consegue expressar um pingo de emoção em momento algum), e a excelente produção musical, com direito á um tema principal realmente marcante, e uma trilha que se adapta ás diversas situações, das mais tranquilas ás mais agitadas.Mesmo assim, a história ás vezes falha em empolgar o jogador, ás vezes graças ao excesso de detalhes e reviravoltas sem a devida ênfase.A ausência de um vilão marcante (o personagem é oposto na maioria do seu tempo por corporações sem rosto), também contribuí para isso.Porém, a história de Deus tem uma característica que também é comum ao jogo: é livre de julgamentos para com o jogador, e ele pode realizar as suas ações em a mácula do "certo" ou "errado".


Isso se traduz da seguinte forma para o jogo: o jogador pode escolher fazer as missões do jeito que quiser.Praticamente nunca no jogo e única solução é o combate , já que até em alguma batalhas contra supostos chefes é possível se safar, achando pistas ou preparando alguma armadilha.Durante o seu progresso no jogo, é comum encontrar situações como: o jogador precisa passar uma porta trancada, que pode ser aberta com gazuas (é uma tradução horrível para lockpick, mas é o que a nossa gramática permite), quebrada com uma bomba, pode-se encontrar uma chave, pode se esgueirar por fora e entrar na sala pela janela...Outra situação está quando o jogador dá de cara com lasers de alarmes, em que ele pode:desativar com suas multitools, empurrar caixas para poder passar por cima, ou simplesmente passar direto pelo alarme e cair na mão com os guardas que aparecerem.Porém, o jogo também dá sempre uma chance de evitar os combates, seja se esgueirando para além da visão dos guardas, seja reprogramando torres de defesa e bots para atacar os guardas.Isso se deve ao fato de que o combate direto com os inimigos em Deus Ex é bem mais difícil do que nos demais jogos do gênero.Aqui os inimigos são rápidos, e podem te derrubar em meia dúzia de tiros.Enfrentar mais de dois inimigos, então, é completamente inviável.Sem contar que, conforme o jogo avança, JC Denton vai se deparar com inimigos mais parrudos e difíceis de serem derrubado, o que vai exigir um pouco mais de estratégia por parte do jogador na sua abordagem combativa.Apesar de que de o jogo o jogo apresenta vários pacotes para modificar as armas, e tipos diferentes de munição, o que facilita um pouco as coisas.Ou então você pode fazer que nem eu e andar com um lança-mísseis no inventário o jogo inteiro.


O jogo também dá ao jogador a oportunidade de melhorar alguns aspectos do personagem através da aplicação de pontos de experiência.Aplicar pontos em determinada habilidade faz o personagem melhorar o seu desempenho nela;por exemplo, subir o seu nível no uso de pistolas faz o uso delas ficar mais letal e mais rápido, enquanto subir o nível em informática aumenta a capacidade de hackear computadores.Como em System Shock 2, aqui também não existem pontos o suficiente para se especializar ao máximo em todas (aliás, mal existe para chegar ao máximo em uma ou duas), portanto, o uso deles deve ser responsável;não vá aplicando seus pontos de experiência em arrombar portas e desativar alarmes e depois vá querer sair fuzilando os guardas que encontrar pelo caminho.Também existem habilidade um pouco mais inúteis como o treinamento ambiental e o nado, e que por isso mesmo são mais baratas (e você nunca sabe quando vai encontra uma passagem submersa).Mas bem pensado mesmo é o jeito como se obtém os tais pontos de experiência;ao cumprir objetivos primários e secundários e ao encontrar salas secretas, você é bonificado com os preciosos pontos, o que estimula a exploração dos ambientes ea interação com todos os personagens.


Outro detalhe importante no jogo são as chamadas Nano-Augmentations, os tais poderes nanotecnológicos aos quais só JC tem acesso.Esses poderes podem ser ativados através da teclas F1 até F12, e quando permancem ativados, dão algum benefício ao jogador, como visão noturna, invisibilidade, superforça, aumento de resistência á balas, radiação, criação de uma sonda espiã, capacidade de correr silenciosamente, regeneração...De início, o único poder que JC possuí é um lanterna embutida na vista, porém, não suas viagens ao redor do mundo, ele vai encontrar nos cápsulas com novas habilidades.O problema está no fato que o jogo não avisa que uma vez instalada a augmentation, é impossível desinstala-lá.Sem contar que o jogador passa boa parte do início jogo com duas ou três augmentations, mas aí, após uma parte, ele encontra dezenas delas,e não há um tempo para se acostumar, algumas acabam sendo subutilizadas.Existem também cápsulas de upgrades, que melhoram o desempenho das augmentations já instaladas, porém, estes são bem escassos.As augmentations acabam assim sendo um pouco coadjuvantes de luxo na jogabilidade, já que á longo prazo, o jogador utiliza só algumas poucas, e como as augmentations consomem uma energia biolétrica especial (o Mp do personagem, em termos práticos), acabam sendo preteridas por outras soluções mais diretas.Mas talvez isso seja intencional, essas augmentations sejam mais uma opção de escolha que faz parte do amplo espectro de possibilidades de jogo de Deus Ex.


Enquanto se explora os longos cenários (Deus Ex é um jogo bastante comprido, - e sem enrolação ou backtracking, já que ele sempre apresenta trechos e fases novas)
, porém, a liberdade de escolhas e caminhos a ser tomada é tanta, que a sensação não é a de explorar uma "fase" propriamente dita, e sim um ambiente funcional, mais próximo da realidade.Por um lado, isso pode afetar o senso de recompensa do jogador, visto que, quando um desafio é ultrapassado, não existe a sensação de decisão correta, de objetivo comprido.È realmente uma nova forma de pensar o design de jogos.Por outro lado, os níveis tem um design tão bem realizado, que os pequenos desafios estão ocultos ao ponto de se fundirem com o ambiente, talvez gerando a sensação que eu mencionei antes.Mas também existem situações em que o jogador tem a sua liberdade de caminho severamente limitada, já que alguns setores são entupidos de inimigos, o que exige muita paciência (e muitos reloads de saves) para passar sem usar da violência.Outra situação é quando o jogador se vê confrontado a abrir uma porta ou desativar algum cadeado eletrônico e não tem gazuas (eu não vou usar a palavra lockpick jamais, eu juro) ou multitools para passar, pois estes itens estão espalhados pelas fases, o que faz o progresso essencial ser deixado um pouco nas mãos da sorte (apesar de que há códigos ou chaves disponíveis na maioria das vezes, mas eles também estão escondidos ou dependendo de outras habilidades para ser encontrados).Como o jogo permite que se salve a qualquer momento (algo que atrapalha um pouco do fluxo de dificuldade do jogo, visto que os saves e reloads são constantes- problema já diagnosticado aqui em outros jogos de PC, como Alice), é possível, por exemplo,salvar, arrombar um armário, ver o que tem dentro, e se o que estiver dentro não valer o uso das suas gazuas, voltar para aquele save (apesar de que o fato de que cada save tem em média 15 mb, algo exagerado mesmo para um jogo antigo).È um jeito meio fora-da-lei de burlar os desafios, é verdade.Felizmente, o jogo é um tamanho tour-de-force de design que dificilmente você se verá num problema de falta de itens como esse.Acho que eu estou mais confessando uma preocupação do que fazendo uma crítica, mesmo.


Porém, existe uma coisa mais interessante que limita a agressividade do jogador.Na maioria dos jogos eletrônicos em geral, a vida do inimigo é considerada dispensável.Porém, acho que Deus Ex é o primeiro jogo que eu vi em que existe um personagem que realmente te recomenda usar metódos não-letais para dar conta dos inimigos (existem cassetetes e dardos tranquilizantes como armas no jogo, vale lembrar).È possível atravessar o jogo matando um mínimo de pessoas (bem como é possível matar quase todo mundo, apesar da munição escassear em alguns momentos), o que é surpreendente para um gênero com tantas tendências homicidas.Isso não é um sinal de que eu virei um daqueles gamers politicamente corretos, eu ainda adoro um massacre de vez em quando (não tirem isso de contexto, por favor).Mas é refrescante um jogo que não força o jogador a seguir um caminho específico, e apresenta razões além do hi-score para isso.Isso chega ao seu clímax no final, que aliás, existem três opções diferentes de finais.Nem um deles é propriamente "bom" ou "ruim", mas os três valorizam a inclinação moral do jogador, e qual é a decisão que ele vai ter sobre o mundo.E é mais marcantes que simplesmente "salvar o mundo", como na maioria dos jogos(Outra coisa é que salvando um pouco antes do final é possível ver os três finais, mas não faça isso.Eu fiz isso porque eu sou analisador.Eu tenho esse direito, pombas.)


Se você gosta de jogos que oferecem um caminho novo para jogar e compreender desafios, Deus Ex pode ser o jogo pra você.Realmente, eu acho que a indústria já compreendeu que oferecer simplesmente vários caminhos para o jogador e mandar ele se virar não é necessariamente superior aos jogos mais lineares, mas apenas mais uma opção.È claro, quando isso é tão bem executado quanto em Deus Ex, que não dá liberdade apenas no campo da jogabilidade, como no campo da história, é lógico que vai se tornar o "must" (que expressão horrível) do design.Deus Ex teve um port para o PS2, e uma sequencia que não fez tanto barulho, chamada Invisible War, e atualmente existe um terceiro episódio á caminho.Mas o primeiro continua sendo um jogo essencial e complexo, e que vale mais algumas jogadas.