terça-feira, 17 de julho de 2007

Descendo pelo buraco do coelho

Lewis Carrol era um cara meio doidão.Gostava de tirar fotos de menininhas, jogos de lógica e ópio.Ele conseguiu juntar então todas as coisas que gostava num certo livro chamado Alice no País das Maravilhas, lançado em 1865.Este é um dos mais inteligentes e viajantes dos poucos livros que eu li, e apesar da sua imagem infantil, é cheio de aspectos ligeiramente sinistros e satíricos, coisas que às vezes se perdem quando se pensa em Alice pela adaptação da Disney.

American McGee é um cara meio doidão.Depois de fazer o level design de jogos como Doom 2 e Quake,também não era difícil ficar assim.Mas de algum jeito, o cara foi parar na EA, e aí ele teve a chance de criar o seu primeiro game, este completamente autoral.E então ele resolve buscar inspiração justamente no tiozinho de cima.E o que acontece quando dois malucos se juntam?


(Eu tenho MEDO dessa capa)



American McGee Alice foi lançado no final de 2000 para PCs,num mercado praticamente saturado de FPSs e RPGs do tipo clica-aqui-clica-ali,e causou um certo rebuliço,por ser uma reinterpretação de um clássico da literatura sob uma ótica dark e pessimista.Apesar disso, Alice não é um jogo de terror ou um survival horror da vida, e sim um jogo de aventura, com ação e plataforma.E tal e qual o livro no que é baseado, guarda algumas surpresas para quem for explorá-lo.



O jogo abre com uma sequência FMV fuleira, mas competente (estamos falando de um jogo de sete anos atrás, veja bem), que mostra o que aconteceu com Alice depois da sua primeira visita ao País das Maravilhas: um acidente pôs fogo em sua casa, matando seus pais, a deixando em estado catatônico.A garota é então internada num asilo para pessoas com problemas mentais, e o tempo passa, até que ela é convocada pelo Coelho Branco a voltar ao seu mundo de criança, já que ela é a única que pode salvá-lo do domínio da cruel Rainha Vermelha...



O detalhe que mais chama atenção em Alice inicialmente é o seu estilo gráfico.Os personagens são grotescos e sujos, mas cheios de carisma.Basta olhar o fiel companheiro de Alice durante o jogo, o Gato de Chesire, esquelético e sorridente.Os cenários não são visualmente arrebatadores, mas também são cheios de estilo.Outra coisa notável em Alice é a qualidade dos diálogos e dublagens.Alice, por exemplo, exacerba cinismo nas suas falas, demonstrando que não é uma mera garotinha assustada, e o Gato dá conselhos sobre o jogo sempre em charadas e com muito humor negro.Para quem leu o livro, ver a interpretação (ou desconstrução) de cada personagem nessa ótica neogótica (rima não-intencional) é interessante, principalmente por que a essência de cada personagem ainda permanece lá.



A sacada que envolve essa reinterpretação da história está justamente aí: enquanto no livro original era explorado a visão de uma criança não tão inocente sobre as tramitações da sociedade e o mundo, o jogo é justamente sobre essa jovem cheia de imaginação, agora lutando (literalmente) para superar um grande trauma.E para isso, ela deverá se desfazer dolorosamente de suas fantasias infantis.O seu mundo particular foi substituído por uma versão mais sinistra porque ela mesma passou a ser uma pessoa mais sinistra.E isso não é uma interpretação maluca que eu fiz, essa mensagem é declarada abertamente no jogo,especialmente nas partes finais.È só observar as duas frases trocadas entre Alice e a Rainha Vermelha antes do embate final.



Mas chega de interpretações artísticas.O povo quer saber: o jogo é divertido?Bom, em Alice, dificilmente você estará repetindo a mesma atividade, já que o jogo equilibra bem as sequências de plataforma, exploração e de combate.O problema é que a jogabilidade é meio equivocada.A personagem se move como num jogo de tiro em primeira pessoa, apesar da visão em terceira, com o mouse controlando a visão e os botões do mouse executando ataques.As etapas de combate, apesar disso, sofrem um pouco com a imprecisão dos ataques, principalmente das armas de curta distância, que acabam reduzindo a estratégia a bater, recuar e bater.As armas de longa distância, apesar de terem mira automática, muitas vezes passam bem longe do alvo.Falando nisso, as armas também seguem o padrão artístico incomum do jogo, e são todas "brinquedos"(exceto o facão),como um baralho-metralhadora,um dado que invoca um demônio,uma caixa de música que funciona como granada e umas paradinhas que quicam que eu não sei bem o que são.Um detalhe interessante é que cada tipo de inimigo é mais vulnerável a um tipo de arma, o que contribui para uma estratégia maior.



Enquanto nos combates a movimentação estilo WASD funciona razoavelmente, nas sequências de plataforma a coisa é diferente.Em Alice,a protagonista pula,escala,nada e flutua sobre chaminés,mas quando saltos exigem uma maior precisão(principalmente em casos de "errou o pulo,morre"),é meio difícil acertar o pulo,porque a câmera não é fixa.Nessa situações,os locais normalmente estão cheios de inimigos,o que torna a situação ainda mais complicada,pois certos inimigos fazem Alice voar longe quando a acertam com um golpe,tornando o jogo ainda mais bagunçado.Ou seja,é muito fácil morrer então.Apesar disso (ou por causa disso, não sei) o jogo é facilitado por detalhes como a possibilidade de salvar a qualquer hora, e também todo inimigo que Alice mata libera meta-essência, um item que recupera vida e energia mágica (que funciona como munição para todas as armas do jogo).



Alice é estruturado em fases, apesar de em alguns momentos o jogo faz você revisitar algumas áreas.Mesmo com a linearidade, é divertido explorar os variados ambientes, todos cheios de personalidade e de detalhes, como criancinhas malucas e deformadas que aparecem constantemente.A trilha sonora contribui para o clima "sick and twisted" do jogo, com pianinhos de brinquedo, caixinhas de música, relógios e outras sonoridades experimentais.



Então, isso é Alice.Um jogo soturno e sombrio,mas inteligente e recompensador para quem resolver desbravá-lo.È consideravelmente longo para um jogo de fases,e é cheio de atrativos para continuar jogando.A jogabilidade é esquisita,o que torna algumas sequências de plataforma enfadonhas,e a mira defeituosa contribui para um sistema de combate pouco equilibrado.No final das contas, Alice é um jogo acima da média, recomendado para quem quer um jogo com uma temática diferente.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei o jogo, mais uma vez vc me deixa com vontade de jogar algo decente que só existe esquartejado em 20 partes no rapidshare.
Feliz?