quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Garotas de Armadura com Canhões de Plasma

Eu me lembro de dezembro de 2002.Eu era uma criança hiperativa, mala e inocente (na medida do possível) de onze anos de idade, que não tinha muitas preocupações na vida além de jogar videogame,ler livros de fantasia infanto-juvenil vagabundos e comprar a Nintendo World do mês.E mesmo que muita coisa tenha mudado desde então (eu não compro mais Nintendo World, e não leio mais livros quaisquer, só jogo videogam...err, jogos eletrônicos), eu ainda lembro da edição de dezembro de 2002 da tal revista, que tinha como atração principal um certo jogo que prometia ser a melhor coisa disponível para o recém-lançado Gamecube (que era o minha principal ambição de consumo naquela época, diga-se de passagem).O jogo ganhou nota máxima daquela publicação (que naquela época era sonoramente melhor do que o desperdício de papel que sai hoje em dia- e não é a nostalgia falando aqui), o que aguçou a minha curiosidade de semi-infante sobre se aquele jogo era mesmo tudo aquilo que se falava.Muito tempo se passou, muitas coisas aconteceram, muito tempo foi perdido jogando ao invés de fazer coisas que adolescentes fazem, e seis anos depois, aqui estou ás voltas com o título de novo.Felizmente, minha cínica personalidade de pré-pós-adolescente me torna muito mais indicado para analisá-lo.


Metroid Prime foi lançado pela Nintendo em dezembro de 2002 (como eu já falei) para o Gamecube (como eu também já falei) p, juntamente com Metroid Fusion, uma aventura 2D pára GBA, numa época em que o PS2 ainda não controlava completamente o mercado, e ainda se acreditava que o Gamecube podia dar certo.Quando o título foi anunciado, causou um certo rebuliço, porque os fãs se perguntaram como diabos a consagrada série Metroid iria ser adaptada para a terceira dimensão.Mas antes disso, uma recapitulação para os leigos:a série Metroid é uma das mais populares da Nintendo, com episódios lançados para NES, Gameboy e Super Nintendo,e conta as aventuras de Samus Aran, uma caçadora de recompensas intergaláctica, contra seus inimigos, os Space Pirates, que querem usar os poderes das estranhas criaturas conhecidas como Metroids para seus próximos fins piráticos.A série sempre foi de ação e aventura 2D, no qual, ao invés de seguir fase após fase, um imenso mapa é disponibilizado logo de início, e novos locais podem ser acessados através da obtenção de poderes especiais (um sistema de jogo que influenciou diversos jogos, e teve todo o seu sangue chupado pela série Castlevania - termo adequado, dado o caráter vampiresco da série citada), que, desde Symphony of the Night, tem seus jogos mais aclamados seguindo esse sistema- o que levou a esse tipo de jogo de plataforma 2D a ser apelidado de Metroidvania (mas eu acho que Castletroid é bem mais legal).È também talvez a série mais adulta da Nintendo, com uma violência discreta (quer dizer, ás vezes), temática mais séria, e um senso de isolamento e tensão, proveniente do fato de quem em todos a personagem está sozinha e desprotegida num ambiente alienígena e hostil.Sem contar o óbvio apelo de uma protagonista feminina.


Mas enfim, quando Metroid Prime foi finalmente anunciado para o Gamecube, (o último episódio havia sido Super Metroid, para Super Nintendo - o 64 ficou sem um episódio da série), os ânimos se exaltaram, mas não de uma forma positiva; o jogo não iria ser uma aventura em terceira pessoa como esperado, e sim, um jogo de ação em primeira pessoa, gênero que,á época, era associado aos deathmatches online esquizofrênicos de Unreal Tournament e Counter-Strike (bom, ainda é, mas eu tô tentando construir um argumento aqui), algo distante da exploração e aventura características da série.Além disso, a produção do jogo não iria ser feita por um dos estúdios de desenvolvimento interno da Nintendo, e sim pela Retro Studios, uma subsidiária americana.Isso tudo foi interpretado como uma tentativa de ocidentalizar a série, aumentando o foco no combate e na ação, e descaracterizando a série.Mas, como todos sabemos, fãs (ou fanboys se você for mais jocoso) são gentes de opiniões extremadas e precipitadas, então, isso não impediu que o jogo fosse terminado e mandado pras lojas.O que aconteceu então foi que, na verdade, o jogo era em primeira pessoa, mas não era um FPS; a perspectiva diferenciada era uma escolha de design, e não uma definição de gênero em si (escolha essa que ainda hoje, não é muito aproveitada -salvo raras exeções- ).Características tradicionais da série, como a progressão não-linear e itens e inimigos clássicos, foram mantidos, enquanto a nova visão (juntamente com a terceira dimensão) possibilitou novos desafios e possibilidades de jogo.


O jogo começa com Samus chegando á uma estação espacial atacada(como no começo de Super Metroid), e logo de cara, você tem disponíveis todos os poderes da caçadora, como por exemplo, a habilidade de se transformar numa esfera (que foi adaptada perfeitamente para o contexto do jogo; quando essa habilidade é ativada, a visão passa a ser em terceira pessoa, e a movimentação é mais livre).Mas após uma breve introdução e uma batalha contra um chefe, Samus se vê novamente sem seus poderes, graças ao seu nêmesis, o dragão cibernético Ridley, e o persegue até o planeta Tallon IV, onde novamente se vê num lugar desconhecido, lutando por sua sobrevivência.E é aí que começa o jogo propriamente dito.Apesar da nova visão, a estrutura é familiar para qualquer um que tenha jogado qualquer Metroid anterior (ou qualquer um de seus imitadores), mas com algumas surpresas;o grande mapa é dividido em áreas temáticas (mundo do fogo, mundo do gelo, mundo das ruínas, entre outros clichês de jogos eletrônicos que eu francamente adoro), conectados por elevadores;em cada nível, há um caminho disponível que, dependendo da sua atual condição de upgrades, o levará á um poder novo; essa nova habilidade abrirá um caminho novo á um novo local, que terá um novo poder, e assim sucessivamente.


O que torna essa estrutura realmente interessante são as habilidades em si (se o jogador achasse chaves azuis que abrissem portas azuis, seria bem bobo- e muitos jogos ainda fazem isso); entre as habilidades, o jogador encontrará pulos longos e pulos duplos, novas roupas resistentes a calor e radiação, visão de calor e raio-X para encontrar objetyos invisíveis e áreas secretas, novos tipos de raios de ataque, como os Wave Beam, Ice Beam e Plasma Beam (que, ao contrário dos jogos em 2D, não são combinados para dar efeitos diferentes aos tiros normais, e sim funcionam como armas independentes), upgrades de munição para os seus mísseis, e o raio-chicote Grapple Beam (que também foi brilhantemente adaptado para a terceira dimensão).Esse sistema orgânico de progressão de jogo lembra um pouco a outra série extremamente cultuada da Nintendo, The Legend of Zelda;nela, as habilidades ganhas pelo personagem são aplicadas num pequeno estágio (as dungeons), que ao ser vencido libera um novo estágio, com uma nova habilidade, diferente de Metroid, onde as habilidades são aplicadas num estágio maior, persistente.Essa talvez seja a razão pela qual nunca veremos um Zelda futurista (ou, vá lá, um Metroid medieval).Além de, claro, a fúria dos fanboys.


Além da exploração, existe também o combate, e esse é o ponto mais delicado no que diz respeito a reação dos fãs, pois decisões excessivamente derivativas de design poderiam fazer com que o jogo se parecesse mais com Halo, do que com o que um Metroid deveria ser.Felizmente, o combate aqui é mais focado em fechar a mira em um dos inimigos (lock-on, se você prefere anglicismos), e ficar girando e atirando nele, enquanto desvia dos seus ataques..A maioria dos inimigos são criaturas da fauna de Tallon IV, que explodem, mordem, espetam e ferroam você como manda a sua natureza.Mas com o tempo, Samus encontrará diferentes tipos de Space Pirates, que também atiram de volta.Felizmente, eles não disparam as balam invisíveis e indesviáveis típicas dos FPSes (seria esse o plural de FPS?Não seria,"FPSs", ou "FPSz"?É possível aplicar plural numa sigla?Porque eu fui dormir nas aulas da escola...Hã, vamos voltar ao assunto), e sim, imensos e espalhafatosos jatos coloridos de energia, que podem se desviados com um certo grau de destreza (e com a ajuda do desvio rápido acionado pelo botão de pulos enquanto se anda para o lado- comando que as vezes é meio impreciso).Isso dá um ritmo arcade bastante saudável para a maioria dos combates.Além dos tiros normais e dos raios especiais, Samus ainda tem aa sua disposição mísseis, raios carregados, e a possibilidade de combinar raios carregados com mísseis, resultando em rajadas destruidoras.O problema é que esse esquema de "mirar-fechar-carregar-atirar" começa a arrastar os combates, especialmente porque alguns inimigos tem muito mais energia do que poderia ser considerado razoável, fazendo com que carregar o tiro seja a melhor opção; mas toda vez que você é atingido, deve começar a carregar o tiro novamente, o que é um pouco chato, especialmente contra grupos grandes de oponentes.


Outro aspecto bem traduzido para o 3D foram os elementos de plataforma, algo essencial em qualquer título 2D, mas que raramente tem alguma relevância em títulos em primeira pessoa (uma exceção foi o título Jumping Flash, lançado em 1995 para o PSX- mas como a maioria das pessoas confunde esse jogo com aquela música dos Rolling Stones, ninguém se lembra dele).Como é impossível tem uma visão ampla dos elementos onde se vai pular em primeira pessoa, a solução encontrada foi simplesmente ter controles responsivos e ajustados, como se pode perceber ao fazer pulos duplos ou virar enquanto se está no ar; é bem verdade que algumas etapas de plataforma (como nas partes de exploração vertical de cenário) são de arrancar os cabelos, mas pelo menos não se pode botar a culpa nos controles, e sim no design algo cruel de algumas etapas.Mas são só algumas.O design é melhor nos chamados puzzles de ambiente, situações em que Samus deve acionar alguma espécie de mecanismo ou chegar ao algum lugar com suas habilidades.Esses momentos, que variam desde atravessar uma sessão em 2D na forma de Morph Ball ou escanear símbolos para revelar uma passagem, são onde o design do jogo realmente brilha, e também servem para temperar com um pouco de variedade á mecânica de combate-plataforma-exploração.


Um importante detalhe de jogos deste tipo (sejam eles em 2D ou em 3D) é que suas "fases" são projetadas para serem jogadas diversas vezes, porque o jogador sempre passará diversas vezes pelos cenários para chegar de um ponto até outro, ou simplesmente para procurar itens que ele pode não ter encontrado de início.Então, a repetição de mesmos cenários, ou para usar outro anglicismo, "backtracking", é algo inerente ao design.O problema é que, como largas seções do mapa são lineares (em alguns "mundos", isso é especialmente excruciante, como em Magmoor Caverns) e não existem teleportes para ir imediatamente de um ponto a outro do mapa, somado ao fato de, como eu disse antes, em alguns momentos o combate pode ser um pouco arrastado, e também não pode ser evitado com facilidade, como seria em 2D, já que os inimigos são bem mais ferozes e a arquitetura das fases bem mais irregular, alguma etapas são bem mais longas (e maçantes) do que deveriam ser, principalmente quando o jogador não faz idéia de pra onde ir em seguida (felizmente, o ótimo minimapa dá uma dica de localização se o jogador já está a muito tempo andando sem direção).Isso se o jogador não for um daqueles persistentes que insistem em encontrar cada expansão de míssil do jogo; eu terminei a aventura com uma porcentagem razoável de compleição, mas devo admitir que muitos dos itens estão bem escondidos até demais, exigindo muita persistência e uso do Visor de Raios-X, fazendo dos 100% uma tarefa reservada para os mais hardcore dos hardcore (ou aqueles sem nenhum outro jogo para jogar, esperar um mês, escrever uma análise quilométrica e postar no seu blog semi-desconhecido na internet).


Apesar dessas falhas, minha incrível incapacidade de organizar os tópicos de uma análise de uma forma que um tópico puxa o assunto do tópico seguinte me compele a falar que a forma como Metroid Prime lida com a narrativa é outro acerto seu.Você vê, para o olho destreinado, Metroid Prime- e a série Metroid em geral- pode parecer um daqueles jogos "sem história" (um termo idiota cunhado provavelmente pelas mesmas pessoas que dizem que aquilo que sai de um vulcão se chama "Larva", o medidor de energia em jogos de luta se chama "Sangue", e o protagonista dos jogos da série Zelda se chama "Zelda").Ledo engano.Apesar de ter seus momentos cinemáticos, com filminhos e tudo mais, Metroid Prime não tem nenhuma grande reviravolta na sua trama.O que tem sim é um rico ambiente cheio de detalhes, que evacam sutilmente no jogador a sensação de exploração de um ambiente distintamente alienígena (culpa da excelente direção de arte).Nisso, a exploração do jogo se torna a sua própria história(e se você quiser ler mais sobre eu matutando sobre como um ambiente conta uma história, clique aqui).Isso é apoiado por uma série de outros detalhes funcionais e estéticos, como o fato de que a interface, com detalhes como o mapa, itens e a energia, simula o visor da armadura de Samus, algo que não aliena o jogador da exploração, e que o jogador pode usar o visor de Scanner para conseguir informações sobre a fauna e os locais de Tallon IV, além de descobrir informações sobre os antigos habitantes do planeta, os Chozo (as galinhas espaciais que também foram mentores de Samus na cronologia da série) e dos sinistros experimentos dos Space Pirates envolvendo Metroids e Phazon (não, eles não mandam ninguém andar na prancha) escaneando ruínas e computadores.Essa abordagem de contar uma história fragmentando-a em vários pequenos relatos não é algo novo, mas é algo bastante adequado para o contexto do jogo.Uma das poucas frustrações dessa abordagem minimalista, quase "half-lifeana" para a história é que o final acaba sendo um pouco frustrante, não importa quantos por cento você obtenha.Você mata o chefe e o jogo acaba.Não há corrida contra o tempo enquanto o planeta se auto-destrói, muito menos uma Samus seminua em 3D(não que ainda haja muita necessidade disso agora).Pelo menos, as batalhas contra os chefes do final são absurdamente legais.Aliás, as batalhas contra chefes são o ponto alto do jogo; cada uma é íncrivel a sua maneira, e nenhuma é difícil demais ao ponto de frustrar o jogador (bom, talvez o Omega Pirate seja), ou fácil demais para ser vencida de primeira.


Existe um outro elemento que amarra toda essa apresentação, que é a própria presença de Samus Aran, a caçadora de recompensas.Uns 140 parágrafos acima, eu mencionei que a presença de uma personagem feminina era um dos motivos do apelo adulto da série.Mas como essa personagem é explorada que é o diferencial do jogo.Explica-se: na maioria dos jogos eletrônicos, as personagens femininas são exploradas por seus, digamos, atributos físicos, de uma forma bem escancarada, fornecendo diretamente com o seu suposto público alvo (homens de 18 a 35 anos) o seu "wish fulfillment"(esses anglicismos são uma desgraça).No primeiro Metroid, só se descobria que Samus Aran era uma mulher, e não um robô genérico no final do jogo, quando ela tirava o capacete (e ás vezes, o resto da armadura).Desde então, os jogos da série apresentam como "prêmio" a visão da caçadora, com trajes cada vez mais sumários dependendo de quantos por cento o jogador obteve (mas sem nada explícito - é a Nintendo, afinal de contas).Mas como isso só acontece no final, durante o jogo o jogador controle mesmo um robô atirando em monstros mesmo, sem nenhuma sugestão de feminilidade.E é aí que Metroid Prime brinca com a imaginação do jogador; ao ter a sua visão embaçado por fumaça, o jogador pode observar de relance o olhar de Samus;durante as animações, é perceptível que a armadura tem contornos curvilíneos, e no visor pode-se enxergar feições femininas.È esse tipo de erotismo sutil e suave que permeia a experiência, de uma forma subliminar, mas que não deixa de ser interessantes quando mulher em videogame é quase sempre sinônimo de peitos descomunais e decotes gigantescos.Mesmo que no final do jogo, o máximo que Samus faz é tirar o capacete (e se você queria mais, vai jogar um jogo de hentai.Ou quem sabe arranjar uma namorada de verdade).


Bem, esse último parágrafo pode me comprometer.Mas não, eu não tenho interesse em Samus Aran (apesar de eu ter uma ligeira queda por garotas agressivas), ou por personagens ficcionais em geral.Dito isso, fica a recomendação de Metroid Prime para qualquer um que passa jogá-lo, principalmente agora que ele está pra ser relançado com um controle diferenciado especialmente para Wii (o que não deixa de ser irônico, visto que eu joguei o original no meu Wii...malditos japoneses que só pensam em dinheiro).O jogo, tendo superado a desconfiança em relação á visão em primeira pessoa, foi saudado por público e crítica, e considerado um dos melhores títulos da série, se não o melhor, numa série reconhecida por seus jogos excelentes.Duas sequências foram lançadas, uma para Gamecube em 2004 e outra para Wii em 2007, ambas pelos mesmo time deste episódio, a Retro Studios(que a essa altura já deve estar de saco cheio de fazer Metroids...), que segundo os reviews, também são muito bons.O esperado, não acham?Mas enfim, apesar das eventuais falhas e das ocasionais mensagens subliminares sexistas, jogue o original, que é bem divertido.E see you next mission!



(Realmente, as férias e o fim da escola não ajudaram nem um pouco a mudar a constância das análises.Talvez eu seja um só vagabundo incorrigível mesmo...)