quarta-feira, 5 de março de 2008

Um Lugar chamado Silent Hill

O medo.A mais racional das emoções humanas,e ao mesmo tempo mais temida.Conforme as sociedades foram se organizando, porém, os medos primais dos seres humanos foram dando lugar há outros, mais abstratos.Por isto mesmo, o ser humano acabou desenvolvendo uma fascinação em atiçar seus próprios medos, talvez para aprender a conviver melhor com eles.Na era moderna, diversos escritores e cineastas tentaram conduzir e manipular o medo dos espectadores, então, era de se esperar que surgissem jogos que tentassem capitalizar em assustar o jogador.Um dos primeiros foi Alone in The Dark, que estabeleceu regras para o chamado gênero do survival horror.Alguns anos mais tarde, o gênero ganhou o seu primeiro grande sucesso, Resident Evil no Playstation, que conquistou jogadores com zumbis, sustos, ervas verdes, chaves de porta e administração de munição.Por algum tempo, RE reinou supremo como o maior jogo deste gênero.Mas eis que surgiu um desafiante que, ao invés de atacar pela frente e imitar descaradamente o competidor, seguiu por um caminho bem diferente...



Silent Hill foi lançado em 1999 para o Playstation 1, justamente entre os lançamentos de Resident Evil 2 e 3, como uma resposta da Konami para a série da Capcom.Embora o monopólio não tenha sido completamente quebrado, a nova franquia injetou uma necessária dose de criatividade num gênero já um pouco surrado.Em Silent Hill, os jogadores assumem o controle de Harry Mason, um sujeito normal, que, após a morte de sua esposa, vai tirar umas férias na tal cidade de Silent Hill na companhia da sua filha Cheryl.Porém, após uma estranha visão no meio da estrada, Harry sofre um acidente, e quando acorda não vê nem sinal da sua filha.Tudo isso é contado numa incrível sequencia de animação pré-renderizada, que rola antes da tela de título (e depois de um estranho e desnecessário aviso de que "There are violent and disturbing images in this game").Embora eu não seja um grande fã de "filminhos" pra contar história, a sequencia extremamente misteriosa, apresentando elementos disparatados como uma enfermeira de vermelho, uma policial de calças de couro, uma moça vitima de machucados horríveis e uma cidade cheia de neblina, tudo acompanhado de uma hipnotizante balada de violão, realmente consegue prender a atenção.E não se preocupe se você não entender do que se trata.Silent Hill não está aí pra ser entendido.



Enquanto jogo do gênero survival horror, Silent Hill se sai muito bem nas partes de horror, mas se sai mais ou menos na parte de survival.Mas vamos falar primeiro dos bons aspectos.Um dos méritos de SH é a sua atmosfera.Logo no começo do jogo, Harry deve atravessar um beco onde as coisas (principalmente a trilha sonora) vão ficando progressivamente mais sinistras.Após uma série de sustos, ele acorda novamente, e aí deve explorar a cidade a procura da sua filha, aparentemente sempre guiado pelo acaso.Enquanto isso, a história progride sem ao menos o jogador perceber, já que ela é dada por detalhes sutis nas conversas com os poucos seres humanos na cidade, por detalhes do cenário, e até mesmo nos horrendos inimigos que se arrastam pela cidade.È interessante que a aproximação para o horror aqui não passa pelas vias do gore simples e óbvio, e nem bebe de inspirações Lovecraftianas, como a imensa parte dos jogos de terror hoje em dia.Ao invés disso temos aqui uma coisa mais psicológica e sobrenatural, mais próxima da lógica absurda dos pesadelos humanos(Mais O Iluminado, menos Sexta-Feira 13, em termos simples).Você percebe isso quando perambula por uma escola abandonada e escura,povoada por crianças-demônio armadas de facas, acompanhado de efeitos sonoros muito estranhos, um controle que vibra sincopadamente como um coração e uma trilha sonora aterradora.



Falando sério, Silent Hill assusta (mais até que o útlimo jogo "de medo" que eu analisei).Logo no começo do jogo, Harry Mason encontra um rádio velho, que emite um barulho de estática sempre que alguma criatura das trevas está por perto.Como normalmente o jogador está perdido no meio da neblina ou da escuridão, munido apenas de uma lanterna que só permite enxergar três palmos á frente, você nunca sabe de onde vem a criatura até que ela pule no seu cangote.Como os ambientes não são pré-renderizados como em Resident Evil, o fator surpresa anda lado a lado com o fator susto (apesar de em alguns momentos a câmera pular para algum ângulo estranho).Apesar de que os inimigos não pulam em você o tempo todo, o jogo faz um bom trabalho de cozinhar o jogador na atmosfera, graças a já supracitada (e a análise só tem 4 parágrafos até agora...) trilha e efeitos sonoros.Os efeitos sonoros, aliás, são bem apurados, visto que até o barulho dos passos do personagem podem assustar depois de muito tempo jogando num quarto mal iluminado (mas é assim que tem graça!).



Mas tem uma história também, apesar de como eu já disse, ser um amontoado de elementos confusos que os menos atentos podem achar completamente herméticos.Enquanto Harry perambula pela cidade, ele descobrirá que existem duas dimensões de Silent Hills:a primeira uma cidade normal,e a outra (que você é transportado sempre acidentalmente), uma espécie de cruza de presídio com açougue, onde todas as paredes estão enferrujadas de sangue, e as paredes tem uma abundância desconfortável de corpos descarnados amarrados em fios de arme farpado.Aparentemente, tudo está ligado á um culto sinistro que causou um acidente numa tentativa de acordar um deus, mas também existe um onipresente fantasma de uma moça envolvido, e até tráfico de drogas(?).Não espere que todos estes elementos sejam juntados no final, e você ganhe uma resposta pronta.Pelo contrário, a história é passível de múltiplas interpretações, o que é uma coisa rara em termos de narrativa em games.A constante neblina da cidade é a perfeita metáfora para a condição do jogador, constantemente tateando no escuro a procura de resposta(e também é uma limitação de hardware, é que o processador vagabundo do Playtation não conseguia colocar uma cidade inteira o tempo todo na tela, sabe...)



Apesar de ter virtudes originais, Silent Hill carrega muitos dos vícios tradicionais do survival horror.Pra começar, a jogabilidade é deveras troncha, já que o personagem principal é controlado como se fosse um tanque, só podendo girar e andar pra frente e pra trás.È possível controlar com o direcional analógico e o stick digital, mas com os dois é confuso do mesmo jeito.Porém, nas lutas com as criaturas é que o bicho pega.Existem armas de fogo e armas de combate físico, mas a preferência é usar as últimas, pois apesar de a munição não ser exatamente escassa, você nunca sabe quando pode precisar dela em larga escala(como em certas batalhas contra mais de um monstro, ou contra monstros mais ágeis ou voadores, que são bem complicadas usando um cano de esgoto ou uma machadinha).Como a movimentação é na base da trombada, você acaba levando um dano que poderia ser evitado, simplesmente por não conseguir manejar o personagem direito para fora da mira dos monstros.E os itens que recuperam vida também não abundam assim, não,(falar a verdade, se você quiser achar itens, você vai ter que fuçar pelos cenários, o que certamente vai fazer você encontrar mais inimigos, onde vai haver maior gasto de munição e vida...Custo-benefício,então)e mas, felizmente, morte não quer dizer voltar para o último save point, já que o jogo tem alguns checkpoints estrategicamente posicionados.



Além disso, o jogo também tem a sua cota de puzzles absurdos, principalmente nos ambientes internos.A maioria constitui de típicos "leve o item A até o ponto B para conseguir o item C", mas também existem alguns puzzles de associação, em que é dado um poema e um texto para o jogador e ele deve interpretar de modo a entender uma analogia.Boa parte dos puzzles é bem fácil, exceto os do trecho final do jogo.Mas o problema não está na dificuldade, e sim no fato que muitas vezes não é muito claro o que o jogador tem de fazer e pra onde ir, apesar de um útil mapa cheio de indicações.Isso é especialmente chato no começo do jogo, onde a munição e itens de recuperação de energia são escassos, e o jogador é obrigado a ficar fugindo dos inimigos o tempo todo, resultando (em conjunto com os controles estilo "trambolho") numa experiência algo irritante.Mas se você pretende conseguir o melhor de todos os finais do jogo(existem dois finais "ruins" e dois "bons", zanzar pela cidade para realizar duas obscuras "sidequests" são necessárias, o que não é propriamente positivo, visto que não há absolutamente nada no jogo que indique como fazê-las.E você vai acabar querendo ir atrás delas mesmo assim, pois o final ruim é realmente muito ruim.Por outro lado, se algumas condições forem cumpridas, existe um final absolutamente hilário, que faz graça com a incompreensibilidade da história.Sem contar com os igualmente hilários "erros de gravação" do jogo, que passam depois dos créditos.



Embora eu nunca fui muito fã do gênero survival horror (eu gosto de sair dando tiro, esse negócio de economizar munição não é comigo), posso dizer que eu gostei de Silent Hill, mas do que esperava.A história que não subestima a inteligência do jogador e um senso palpável de tensão ajudam um pouco a suavizar a movimentação tosca e alguns puzzles absurdos.Como o jogo já tem quatro sequencias, todas muito bem -recebidas, principalmente Silent Hill 2, e mais alguns spin-offs, como uma versão para arcade estilo The House of Dead, talvez uma conferida no jogo valha a título de curiosidade.Afinal de contas, você nunca sabe o que te espera no meio das trevas...

Um comentário:

mauricio disse...

jogo muito bom e assustador passei noites e noites com o c* na mão