domingo, 13 de julho de 2008

Como Àguias em Pula-Pulas

Imagine-se, se quiser, num bar esfumaçado, á meia-noite, num bairro pouco prestigioso da cidade.De um lado, bêbados lamentam amores perdidos de outrora.Do outro, figuras suspeitas cochicham as extorsões e execuções da semana, sob o olhar vigilante de um barman limpando canecas.E você, dado o lugar, certamente é algum detetive ás voltas com um caso insolúvel, alguma mulher fatal e um monólogo interno profundamente verborrágico.Essa é a atmosfera típica do universo noir, universo esse que já serviu de inspiração para inúmeras obras, inclusive, claro, jogos.Um até já foi analisado aqui, por sinal (com direito á uma introdução tão besta quanto esta que estou fazendo agora).Mas o jogo em questão agora não é um jogo que apenas se apropria dessa estética, mas que a subverte e adiciona elementos novos e elegantemente disparatados.E que também foi um último e ambicioso suspiro de um gênero gamístico com muitos admiradores, mas talvez um pouco contemplativo demais para os gostos agressivos e pouco atenciosos dos jogadores modernos.


Grim Fandango foi lançado em 1998 pela Lucasarts, num tempo remoto em que a empresa não lançava apenas jogos baseados naquela franquia dos Wookies.Na verdade, até meados da década de 90, a empresa era justamente reconhecida por seus adventures, como Day of the Tentacle, a série Monkey Island e Sam & Max.Mas o problema, é que como o gênero e mais afeito ao pensamento sobre resolução de enigmas do que agilidade em recarregamento de armas, ele acabou por ter uma perda de popularidade quando os gostos dos jogadores se voltaram aos jogos mais agitados, como os jogos de tiro de forte participação online, como Quake e Unreal.Grim Fandango acabou sendo o último adventure da empresa, e então é desnecessário dizer que ele encalhou nas vendas, a despeito das suas muitas qualidades (se eu analisar mais um jogo que foi um fracasso de vendas, esse domínio de web vai ter que mudar o nome pra Gamer Injustiçado).


Mas sobre o que exatamente é o jogo?Bom, como já foi citado, Grim Fandango (sem relação com aquele famigerado salgadinho composto de glutamato monossódico e isopor), Grim Fandango é um adventure, um estilo aonde o personagem resolve problemas e enigmas encontrando itens, examinando situações e falando com outros personagens.Na imensa maioria desses jogos, o personagem não pode morrer, então o principal obstáculo para a progressão do jogador é a sua própria capacidade de cadenciar os raciocínios muitas vezes obscuros que o jogo exige.Também, os adventures clássicos possuem tramas muito bem realizadas, como personagens memoráveis e diálogos hilários.È um gênero que pode ser comparado á um bom livro; foi feito para ser aproveitado com a cabeça relaxada, no final de um dia cansativo, acompanhado por uma boa xícara de café.


Por isso, um adventure vive e morre pela sua história (até mais do que os RPGs), já que a resolução dos enigmas está diretamente ligado á compreensão da trama (por exemplo, se o jogo for mais realista , uma solução absurda para um problema se torna menos viável; se ele for mais cômico, porém, resolver os problemas com galinhas de plástico pode ser muito lógico), e a narrativa serve como estímulo para os que possam achar o desenrolar do jogo meio modorrento.Felizmente, Grim Fandango tem uma história excepcional, e com uma direito á uma ambientação criativamente singular, de forma que é raramente vista em filmes ou HQs, que dirá no meio midiático viciado em clichês dos jogos eletrônicos.O jogo começa com o protagonista, Manny Calavera, como um agente de viagens na Terra dos Mortos.O trabalho dele é vender passagens para as almas que chegam do mundo dos vivos percorrerem a Terra dos Mortos em direção ao Nono Submundo, o local do descanso eterno.Esta viagem dura quatro anos, e é cheia de perigos pelo caminho, então, a forma como você se encaminha até lá depende das suas ações durante a vida; se você foi uma pessoa má, receberá no máximo uma bengalinha com uma bússola, ou talvez ser despachado num caixão com uma espuma de empacotamento fedida;porém, se você foi honestos, bondoso, e escovou os dentes antes de dormir, você poderá ir no luxuoso Número Nove, um trem bala que cruza a Terra dos Mortos em quatro minutos ao invés de quatro anos.


Manny é um funcionário do Departamento dos Mortos, e seu trabalho de vender passagens (algo que deve ser feito para pagar uma dívida com "os poderes acima") ultimamente parece não estar o levando a nenhum lugar, pois ele só recebe clientes vagabundos, enquanto os bons clientes ficam com o seu rival no Departamento, Domino Hurley.Até que um dia, graças á umas artimanhas bem-elaboradas, ele consegue a cliente perfeita, Mercedes Colomar.Mas aparentemente, o sistema não dá a Srta. Colomar o que ela merece, e então ela acaba indo embora fazer a travessia dos quatro anos por conta própria.Isso vai levar Manny a descobrir um esquema de corrupção dentro do Departamento, e acabar cruzando a Terra dos Mortos á sua procura.A história do jogo então se passa durante os quatro anos nos quais Manny irá procurar Meche, e nesse ínterim, ele passará de um mero funcionário público, para um fugitivo procurado, um dono de cassino e um capitão de navio.Durante esse período, ele conhecerá uma galeria de personagens pouco usuais (pra não dizer esdrúxulos), como o seu fiel "sidekick", o neurótico demônio Glottis, (invocado da própria essência Terra dos Mortos com apenas um propósito: DIRIGIR!), o líder revolucionário Salvador Limones, a femme fatale Olivia Ofrenda, o cruel chefe da máfia Hector LeMans, além de uma série de outros personagens pequenos, mas igualmente bacanas, que não pra citar nesse espaço.Todos os personagens do jogo têm os seus traços individuais e sua devida importância para a trama, e muitos que sumiram antes voltam para a história em dado momento, fortalecendo o conjunto coeso da narrativa.


Os diálogos também são dignos de nota:as frases trocadas pelos personagens são inteligentes e recheadas de ironia (e tem provavelmente a minha frase preferida já dita num jogo:"Is there a bigger constant than the treachery of women?"), e é tudo interpretado numa dublagem excelente, em autêntico "Spanglish" (vale lembrar que Grim Fandango, assim como o já citado Max Payne, também teve um versão com tradução e dublagem em português, esta toda em portunhol).E são essas referências á cultura mexicana que compõe boa parte da notável atmosfera do jogo, já que esses elementos, como a caracterização dos personagens como as típicas "calacas" mexicanas, a influência asteca na arquitetura dos ambientes, e a espetacular trilha sonora que mistura jazz e música latina (e que pode ser escutada de graça na internet), são fundidas com as típicas convenções dos filmes noir, o que aí incluí também referências a filmes clássicos do gênero.Isso traz ao jogo uma ambientação com charme e inteligência (mas talvez não o apelo de massa) de um filme da Pixar.O que pode explicar o seu fracasso comercial, afinal.


A movimentação dentro do jogo e dada de uma forma diferente dos tradicionais adventures; enquanto nesses o controle é feito apenas com o mouse, em Grim Fandango ele feito apenas com o uso do teclado, numa movimentação que lembra os jogos de survival horror (mas como aqui não há inimigos para se fugir ou matar, ele não tem os problemas típicos de movimentação travada que esses jogos acabam por ter).A interação com o ambiente se dá pressionando teclas que correspondem á uma ação do personagem (examinar, usar, pegar e consultar o inventário), e Manny irá realizar a ação requerida no objeto no qual ele estiver olhando.Se por um lado essas escolhas de interface contribuem para uma maior imersão na experiência do jogo, algumas vez é um pouco complicado interagir com partes do cenário, exigindo algumas tentativas até se conseguir realizar a ação desejada em alguns casos.


Mas no final das contas, um bom adventure não é nada sem os seus enigmas.Se eles forem muito fáceis, o jogador não vai se sentir desafiado, e se eles forem muito difíceis, ele vai se sentir frustrado.È uma linha difícil de caminhar, mas novamente, o jogo acerta, pelo menos na maior parte das vezes.A maioria dos enigmas é resolvido de uma forma tradicional dos adventures, como por exemplo, retirando um objeto de uma situação o e o aplicando em outra, ou levar um personagem a fazer alguma coisa a seu favor.È lógico que existe um raciocínio um meio particular do designer do jogo quanto á solução que deve ser empregada nos enigmas (inclusive algumas soluções são hilariamente absurdas, como congelar gelatina vomitada com nitrogênio líquido com a intenção de desativar uma bomba acionada por dominós), mas pensar um pouco normalmente se revela mais eficaz que combinar cada item do seu inventário com cada pedaço do cenário.Porém, sempre existem aquelas exceções mais irritantes, especialmente os enigmas onde não é necessário o uso de itens do inventário ou interações com personagens, e sim a compreensão de pistas nem sempre muito claras que o jogo fornece.


Grim Fandango tem uma duração considerável para um adventure, e se torna uma experiência rica, visto que, como dito antes, os enigmas são muito bem entrelaçados com a história, o que realmente faz as mecânicas do jogo parte da trama, e não coisas dissociadas.A ambientação também é um acerto, já que o cenário da Terra dos Mortos é pródigo em alegorias para a vida após a morte; além disso, dado o tema do jogo, mesmo com os impagáveis diálogos e o completo absurdo de algumas situações, existe uma sutil melancolia que pontua as aventuras de Manny, o que prova a vontade dos criadores do jogo em contar uma história alguns degraus acima do que normalmente narrado nos jogos(E por falar em criadores, o jogo foi "designerzado" por ninguém menos que Tim Schaffer, também o designer de outro favorito pessoal meu, o indefectível Psychonauts, que coincidência ou não, também foi um fracasso de vendas - mas eu acho que o seu próximo projeto, Brütal Legend, tem apelo mainstream o suficiente para finalmente dar uns tocados pro sujeito).Por essas e outras, Grim Fandango, mesmo sendo lançado á mais de dez anos atrás, continua sendo uma grata surpresa para jogadores, e continua ganhando fãs tardios; existem muitos até que o consideram o melhor adventure já lançado.Ao que parece, ultimamente os adventures estão lentamente voltando á moda, graças á jogos como as aventuras episódicas de Sam & Max (e, como comentário pessoal, esses também são ótimos - se você for fã de adventures, ou de bons jogos em geral, não deixe de jogar), então parece que os nossos gostos primitivos estão ficando mais receptivos á experiências mais reflexivas.Então, Grim Fandango fica sendo altamente recomendado, mesmo para aqueles que torcem o nariz para adventures.Afinal de contas, nós nunca sabemos o que está no final da linha, então, o melhor a fazer é aproveitar a viagem.

3 comentários:

Anônimo disse...

jogo incrível, só que infelizmente me deixou muito mais exigente com jogos. é difícil achar coisa no nível.

ZZ disse...

Meeeeeu q foda! Grim fandango eh mt foda!Meu jogo favorito por bastante tempo! Bom lembrança Leo! Vou até voltar a jogar :P

Anônimo disse...

Jogo muito IraDO,vou ate recupera-lo para jogar commais frequencia,huuuuhahooo!