domingo, 29 de março de 2009

Felicidade (nem sempre) é uma Arma Morna

De um ponto de vista extremamente simplificado, o ser humano é um animal de objetivos simples, como a reprodução desenfreada e o gosto por matança sem sentido.E enquanto a tecnologia não consegue suprir o primeiro item- ainda -, os jogos eletrônicos conseguem abastecer fartamente o cérebro humano de carnificina desmotivada.Não é novidade pra ninguém que jogos assim fazem um sucesso danado (apesar de que nos dias de hoje o seu domínio do mercado está ameaçado pelos igualmente perturbadores títulos casuais de gêneros como jardinagem, cozinha, e festinhas de bebês), ás vezes em independente da sua própria qualidade.Por isso, o olho treinado sabe diferenciar um massacre de qualidade de outro mais meia boca.Não basta apenas abastecer o jogador de armas, e depois fazer chover inimigos que a coisa simplesmente engrena; e é precisamente isso que o jogo alvo desta análise faz.


Serious Sam:The First Enconter é um jogo de tiro em primeira pessoa, lançado em 2001 para PCs pela Croteam, uma desenvolvedora croata, como o nome indica, que até então não tinha lançado nada de muito relevante no mercado.E como o próprio nome indica, originalidade não é lá o forte destes desenvolvedores do Leste Europeu; o protagonista, que dá nome ao jogo, Sam "Serious" Stone, é uma cópia descarada do pseudo-ícone dos videogames Duke Nukem (aquele que virou piada com o seu perpetuamente adiado Duke Nukem Forever), que, por sua vez, era uma espécie de sátira/homenagem/xerox dos heróis fortões de filme de ação dos anos 80.Bom, Andy Warhol afirmou uma vez que a cópia de uma cópia é sempre um original, então, quem sou eu pra discordar.A história que acompanha o jogo também é uma maçaroca meio incompreensível; num futuro próximo, o planeta foi invadido por alienígenas comandado por um certo Mental, então as forças terrenas enviaram o seu maior herói, o tal Sério Sam, para o passado, mais precisamente, o Antigo Egito, porque os alienígenas invadiram também o passado, para impedir que a tecnologia descoberta no futuro pelos humanos pudesse ser usada contra os aliens...ou sei lá, alguma coisa desse tipo.Eu pessoalmente nem fiz muita força pra entender.


No começo do jogo, Sam está armado apenas de uma pistola, uma faca, e sua voz gutural de homem constipado.Enquanto vai avançando pelas longas dunas, vales e cidades do Egito, porém, ele vai encontrando novas armas, como espingardas, lança-mísseis, metralhadoras, rifles de plasma ou até um canhão de navio pirata, que serão bastante úteis ao enfrentar as hordas de inimigos que apareceram depois.E, meu amigo, quando eu digo hordas, eu quero dizer multidões.Na maior parte do jogo, você estará descendo chumbo (ou plasma, ou mísseis) em quantidades ridiculamente grandes de adversários.E enquanto correr circulando os inimigos é uma tática que funciona quase sempre, é necessário um grau (um grau bem pequenininho, mas um grau) de estratégia em usar as armas, visto que a munição, apesar de farta, uma hora acaba se você for excessivamente liberal com ela.Também é necessário aprender mais ou menos como age cada inimigo (que vão desde ciclopes dentuços até harpias assassinas, passando por escorpiões robóticos gigantes, kamikazes sem-cabeça e esqueletos de cavalos que lançam boleadeiras e emitem um som de helicóptero quando se aproximam- o critério temático usado para escolher os monstros deve ter sido o caderno de desenhos da quarta série do programador-chefe), de modo a aprender a lidar com eles quando eles começarem a aparecer em números mais absurdos.


Basicamente, isso é o jogo: você chega num lugar, normalmente um lugar aberto, e os inimigos começam a surgir; quando você já matou todos, aparecem; e aí você mata eles, e aí aparecem mais.E aí você mata todo mundo até não aparecer mais ninguém e você decidir ir jogar alguma outra coisa, ou quem sabe ligar pra alguém e sair de casa e conhecer pessoas.Se você optar por continuar, vai para uma um outro ambiente, onde haverá novos inimigos, talvez num arranjo diferente, e você faz tudo de novo.É lógico, sempre aparece uma arma ou inimigo novo para tentar deixar as coisas interessantes, mas lá pela metade do jogo, essas novidades param de aparecer.Há também um ou outro "puzzle" que consiste em encontrar um objeto e trazer para algum outro local, e até uma fase de labirinto subaquático (um requisito de jogos desse gênero), mas no geral, não há muito esforço para tornar o jogo algo além do básico massacre de inimigos idênticos.Mas espere, eu não tenho nada contra jogos de ação desenfreada e levemente boçal; nenhum jogo de tiro em primeira pessoa precisa ser um Deus Ex ou um Half-Life (comparar Serious Sam com Half-Life só porque os dois são jogos de tiro em primeira pessoa é que nem comparar O Sétimo Selo com Cara, Cadê Meu Carro, só porque os dois são filmes com caras fazendo coisas idiotas - é, claro, desafiar a Morte Encarnada pra um jogo de xadrez é uma coisa muito sensata).O problema de Serious Sam está justamente no fato de que seu design preguiçoso gera uma série de consequências que afetam negativamente na experiência do jogo.Exemplo: o fato dos em muitos momentos simplesmente surgirem inimigos do nada é algo bastante irritante (especialmente no caso dos kamikazes, que correm mais rápido que o jogador e explodem ao encostar-se a ele, causando um dano considerável - e alguém me explica como eles berram tanto se não tem cabeça?!?!?).


Não só isso, como o fato de algumas decisões simples poderiam tornar o jogo bem mais interessante, pra não dizer divertido.Por exemplo, porque limitar a munição?É muito chato ter que ficar economizando munição o tempo para não ter que depender das armas mais fracas (e mais chatas de usar), especialmente num jogo tão trigger-happy quanto esse.Enquanto munição infinita deixaria o jogo bem mais fácil, não é nada que uma limitação de uso de armas não resolva.Outra detalhe é que, como quase todos os jogos para PC, é possível salvar a qualquer momento em Serious Sam; isso deixa o jogo deprimentemente fácil, já que constantes toquinhos na tecla de Quicksave eliminam qualquer semblante de desafio.Porque não estabelecer checkpoints?Ou um sistema de vidas, sei lá.Ou pela menos o jogo poderia ter um sistema de combos, para deixar a matança menos rotineira.Qualquer coisa.Ao invés disso, Serious Sam prefere se agarrar as convenções tradicionais de todos os FPS-esses (hm, ainda não cheguei á uma convenção linguística para plural de FPS...).


Se pode argumentar que Serious Sam nunca foi um jogo de grandes pretensões; ele começou o seu ciclo de desenvolvimento mais como um demo técnico para sua engine, a Serious Engine (eu sei, eu sei, mais originalidade) o que é evidenciado pela presença de um estágio de teste de tecnologias no jogo(o que apenas corrobora minha tese que o mundo seria um lugar melhor se os desenvolvedores parassem de se preocupar tanto com os gráficos- bom, talvez não o mundo, mas você me entendeu).Também, na sua época de lançamento, no agora longínquo início da década, Serious Sam foi lançado á um preço mais baixo do que os seus concorrente, o que possibilitou que fosse um sucesso (mas provavelmente aqui em terras brasileiras, ele deve ter sido lançado a preço inteiro mesmo).É por isso que este título tem um certo ar de jogo-B, com valores de produção mixuruca e senso de humor forçado demais para ser realmente engraçado.Tá certo, tá certo, tem algumas coisas que esse jogo faz certo, e é o que o impede de levar os inéditos dois polegares pra baixo na invisível escala Atrasado de qualidade; algumas das situações de tiroteio podem ser bem divertidas (especialmente depois de um dia particularmente estressante), e descer o dedo na metralhadora em cima de uma massa ambulante de criaturas sem nenhum tipo agrupação temática tem lá o seu charme.E, é claro, Serious Sam provavelmente tem a batalha final contra o chefe mais ridículo imaginável, um demônio de quatro braços cinquenta vezes o tamanho do jogador.É um embate tão embaraçosamente legal que é impossível não dar risadinhas enquanto enfrenta o bicho.Pena que o jeito que você acaba com ele é meio...blé.


Serious Sam, apesar das minhas muitas reclamações, fez bastante sucesso de público e crítica na época do seu lançamento, como o seu inacreditável Metascore de 87 atesta (e que também demonstra como esse tal de Metacritic, tão idolatrado pela indústria, é supervalorizado).Pouco depois do seu lançamento, um novo jogo foi lançado, o originalmente nomeado Serious Sam:The Second Encounter.Na verdade, ambos os jogos foram planejado como as duas partes de um jogo maior, e embora ambas as partes foram jogadas com o intuito de fazer uma análise, apenas a primeira foi terminada (como a constância de postagens deste blog atesta, eu não tenho mais tanto tempo pra jogar - eu tô na faculdade, pessoas, agora eu tenho que crescer e virar um homem adulto e responsável - ha, ha, até parece).E esse segundo jogo, além de umas armas, inimigos e ambientação novas, é praticamente idêntico ao primeiro(maaaas, nesse você pode usar um lança-chamas!).Além disso, Serious Sam ganhou versões para os PS2, Xbox, Gamecube e Game Boy Advance, e uma sequência com algumas modificações, mas com a fórmula de sempre.OK, acho que já reclamei muito por hoje.No final das contas, se você é do tipo que gosta de ação desenfreada e descerebrada, esse pode ser um título interessante.O resto das pessoas vai achar esse título tão divertido quanto ver grama crescer.



(*E só pra constar, eu nunca assisti “O Sétimo Selo”.Mas vi “Cara, Cadê meu Carro” umas três vezes.Yay para a minha credibilidade como crítico.)

2 comentários:

Sofia disse...

Happiness is a warm gun, bang, bang, shoot, shoot!

In the seventh seal you said you never feel pain. I never feel pain, won't you hit me again?

Meus comentários são puramente musicais.

A.L.A.S. disse...

Fala Cara!!

Seguitne: o César (do First Stage) deu uma sugestão ótima. Dá uma lida:

http://firststage.wordpress.com/2009/03/31/retropodgamecast/

Eu achei ótima (inclusive já conversei com ele sobre a pauta do nosso podcast). Entra em contato com ele para a gente acertar isso (Se você tiver Skype, é só procurar por Cesar Martins).

Valeu!!