domingo, 4 de maio de 2008

Cyberpunk de Butique

O chegada do novo milênio afetou as artes de formas diversas.Paranóias como o desenvolvimento da tecnologia para além do controle humano, o risco de epidemias globais, e a mancha crescente do terrorismo, criaram um clima de desesperança semelhante ao dos tempos da Guerra Fria, e a sua grande ameaça de um final atômico para a humanidade.Não, não, eu não postei sem querer um trabalho de Geografia no lugar de um novo texto no Gamer Atrasado (apesar de que eu ultimamente estou demorando tanto para atualizar esse blog que tá valendo postar qualquer coisa).A introdução é pra contextualizar um jogo que talvez seja um dos poucos a conseguir realizar um comentário político coerente, e ao mesmo tempo, introduzir uma forma ampla de jogar.


Deus Ex foi lançado em meados de 2000, pela desenvolvedora Ion Storm (os mesmos do catastrófico Daikatana) e é um jogo de tiro em primeira pessoa que não se conforma em ser apenas isso.Leia-se:atirar não é nem de longe a única coisa que se faz no jogo, já que os desafios que são propostos para o jogador não vem com uma resposta pronta para como devem ser resolvidos, e sim o jogador e que deve se virar para conseguir arranjar uma solução.Aliás, seria até difícil encaixar Deus Ex apenas um gênero.Seria um FPS com elementos de RPG?Um jogo de aventura com stealth e ação?Ou tudo isso junto?Tal e qual System Shock 2, o seu antecessor espiritual, do qual Deus Ex herda a interface elegante de interação em primeira pessoa, o sistema de inventário e melhoramento de personagem ao estilo RPG, e a história intrigante, que aqui está mais próxima da fiçcão científica do que do horror, mas consegue ser tão instigante quanto o thriller biológico e claustrofóbico de SS2.E Deus Ex também tem alguns membros da equipe que fez SS2, só pra constar.


O jogo se passa num futuro distópico e sombrio, por volta do ano de 2050, onde o jogador encarna o agente secreto JC Denton, membro da UNATCO, uma organização formada a partir da ONU para combater o crescente terrorismo no mundo.JC tem um diferencial dos outros agentes da organização, porém; é dotado de vários poderes provenientes da nanotecnologia implantada no seu corpo, poderes estes que lhe concedem várias vantagens operacionais nas missões de campo.Mas no momento em que as coisas começam, a situação está feia.O mundo está sendo vítima de uma praga terrível conhecida como "Gray Death", e como não existe antídoto suficiente para toda a população, os ricos e poderosos são priorizados.Além disso, grupos terroristas bagunçam ainda mais a caótica ordem de poder, com ataques constantes, como o que destruiu a Estátua da Liberdade(inclusive, durante as passagens do jogo em Nova York, não há nenhuma visão das torres do World Trade Center.Apesar delas não estarem ali por causa da falta de capacidade de processamento de memória, a explicação dada pelos produtores do jogo foi a que as torres haviam sido destruídas por um atentado terrorista antes dos eventos do jogo.Só que o jogo foi lançado em 2000, um ano antes dos fatídicos atentados.Eu, hein...) .Porém, não é um lugar onde se deve acreditar em tudo que se escuta, como o agente JC vai aos poucos perceber.O que parece relativamente simples é linear ao começo do jogo vai se revelando uma história multifacetada, cheia de conspirações e reviravoltas.


Aliás, se você gosta de histórias de teoria da conspiração, (como eu) provavelmente vai adorar a história de Deus Ex.Conforme começa a se descobrir os responsáveis e os motivos pelas desgraças que acometem o mundo, entram vários elementos e organizações secretas que todo junkie de conspiração adora, como os Iluminati, os Majestic 12, as Tríades de Honk Kong,a Area 51, os Cavaleiros Templários, inteligências artificiais controlando tudo, monstros genéticos...(Inclusive, haveria até uma conspiração maior por trás de tudo, a de que JC Denton seria na verdade um descendente de outro JC, um que segundo alguns nasceu á 2008 anos atrás...)O jogo tem um clima meio cyberpunk, com todo o clima pesado e dark das incertitudes do novo milênio (ás vezes ate demais, tendo em vista que durante o jogo todo o jogador não explora um único ambiente durante o dia) mas também tem influências visuais notáveis de filmes como Matrix e Blade Runner, e da serie Arquivo X.A história aqui é contada de um jeito mais tradicional, com cutcenes e diálogos, mas também é possível encontrar livros e jornais que detalham ainda mais o panorama político caótico do futuro.Outro ponto positivo são as dublagens variadas e normalmente bem-feitas (exceto a horrível dublagem do personagem principal, que não consegue expressar um pingo de emoção em momento algum), e a excelente produção musical, com direito á um tema principal realmente marcante, e uma trilha que se adapta ás diversas situações, das mais tranquilas ás mais agitadas.Mesmo assim, a história ás vezes falha em empolgar o jogador, ás vezes graças ao excesso de detalhes e reviravoltas sem a devida ênfase.A ausência de um vilão marcante (o personagem é oposto na maioria do seu tempo por corporações sem rosto), também contribuí para isso.Porém, a história de Deus tem uma característica que também é comum ao jogo: é livre de julgamentos para com o jogador, e ele pode realizar as suas ações em a mácula do "certo" ou "errado".


Isso se traduz da seguinte forma para o jogo: o jogador pode escolher fazer as missões do jeito que quiser.Praticamente nunca no jogo e única solução é o combate , já que até em alguma batalhas contra supostos chefes é possível se safar, achando pistas ou preparando alguma armadilha.Durante o seu progresso no jogo, é comum encontrar situações como: o jogador precisa passar uma porta trancada, que pode ser aberta com gazuas (é uma tradução horrível para lockpick, mas é o que a nossa gramática permite), quebrada com uma bomba, pode-se encontrar uma chave, pode se esgueirar por fora e entrar na sala pela janela...Outra situação está quando o jogador dá de cara com lasers de alarmes, em que ele pode:desativar com suas multitools, empurrar caixas para poder passar por cima, ou simplesmente passar direto pelo alarme e cair na mão com os guardas que aparecerem.Porém, o jogo também dá sempre uma chance de evitar os combates, seja se esgueirando para além da visão dos guardas, seja reprogramando torres de defesa e bots para atacar os guardas.Isso se deve ao fato de que o combate direto com os inimigos em Deus Ex é bem mais difícil do que nos demais jogos do gênero.Aqui os inimigos são rápidos, e podem te derrubar em meia dúzia de tiros.Enfrentar mais de dois inimigos, então, é completamente inviável.Sem contar que, conforme o jogo avança, JC Denton vai se deparar com inimigos mais parrudos e difíceis de serem derrubado, o que vai exigir um pouco mais de estratégia por parte do jogador na sua abordagem combativa.Apesar de que de o jogo o jogo apresenta vários pacotes para modificar as armas, e tipos diferentes de munição, o que facilita um pouco as coisas.Ou então você pode fazer que nem eu e andar com um lança-mísseis no inventário o jogo inteiro.


O jogo também dá ao jogador a oportunidade de melhorar alguns aspectos do personagem através da aplicação de pontos de experiência.Aplicar pontos em determinada habilidade faz o personagem melhorar o seu desempenho nela;por exemplo, subir o seu nível no uso de pistolas faz o uso delas ficar mais letal e mais rápido, enquanto subir o nível em informática aumenta a capacidade de hackear computadores.Como em System Shock 2, aqui também não existem pontos o suficiente para se especializar ao máximo em todas (aliás, mal existe para chegar ao máximo em uma ou duas), portanto, o uso deles deve ser responsável;não vá aplicando seus pontos de experiência em arrombar portas e desativar alarmes e depois vá querer sair fuzilando os guardas que encontrar pelo caminho.Também existem habilidade um pouco mais inúteis como o treinamento ambiental e o nado, e que por isso mesmo são mais baratas (e você nunca sabe quando vai encontra uma passagem submersa).Mas bem pensado mesmo é o jeito como se obtém os tais pontos de experiência;ao cumprir objetivos primários e secundários e ao encontrar salas secretas, você é bonificado com os preciosos pontos, o que estimula a exploração dos ambientes ea interação com todos os personagens.


Outro detalhe importante no jogo são as chamadas Nano-Augmentations, os tais poderes nanotecnológicos aos quais só JC tem acesso.Esses poderes podem ser ativados através da teclas F1 até F12, e quando permancem ativados, dão algum benefício ao jogador, como visão noturna, invisibilidade, superforça, aumento de resistência á balas, radiação, criação de uma sonda espiã, capacidade de correr silenciosamente, regeneração...De início, o único poder que JC possuí é um lanterna embutida na vista, porém, não suas viagens ao redor do mundo, ele vai encontrar nos cápsulas com novas habilidades.O problema está no fato que o jogo não avisa que uma vez instalada a augmentation, é impossível desinstala-lá.Sem contar que o jogador passa boa parte do início jogo com duas ou três augmentations, mas aí, após uma parte, ele encontra dezenas delas,e não há um tempo para se acostumar, algumas acabam sendo subutilizadas.Existem também cápsulas de upgrades, que melhoram o desempenho das augmentations já instaladas, porém, estes são bem escassos.As augmentations acabam assim sendo um pouco coadjuvantes de luxo na jogabilidade, já que á longo prazo, o jogador utiliza só algumas poucas, e como as augmentations consomem uma energia biolétrica especial (o Mp do personagem, em termos práticos), acabam sendo preteridas por outras soluções mais diretas.Mas talvez isso seja intencional, essas augmentations sejam mais uma opção de escolha que faz parte do amplo espectro de possibilidades de jogo de Deus Ex.


Enquanto se explora os longos cenários (Deus Ex é um jogo bastante comprido, - e sem enrolação ou backtracking, já que ele sempre apresenta trechos e fases novas)
, porém, a liberdade de escolhas e caminhos a ser tomada é tanta, que a sensação não é a de explorar uma "fase" propriamente dita, e sim um ambiente funcional, mais próximo da realidade.Por um lado, isso pode afetar o senso de recompensa do jogador, visto que, quando um desafio é ultrapassado, não existe a sensação de decisão correta, de objetivo comprido.È realmente uma nova forma de pensar o design de jogos.Por outro lado, os níveis tem um design tão bem realizado, que os pequenos desafios estão ocultos ao ponto de se fundirem com o ambiente, talvez gerando a sensação que eu mencionei antes.Mas também existem situações em que o jogador tem a sua liberdade de caminho severamente limitada, já que alguns setores são entupidos de inimigos, o que exige muita paciência (e muitos reloads de saves) para passar sem usar da violência.Outra situação é quando o jogador se vê confrontado a abrir uma porta ou desativar algum cadeado eletrônico e não tem gazuas (eu não vou usar a palavra lockpick jamais, eu juro) ou multitools para passar, pois estes itens estão espalhados pelas fases, o que faz o progresso essencial ser deixado um pouco nas mãos da sorte (apesar de que há códigos ou chaves disponíveis na maioria das vezes, mas eles também estão escondidos ou dependendo de outras habilidades para ser encontrados).Como o jogo permite que se salve a qualquer momento (algo que atrapalha um pouco do fluxo de dificuldade do jogo, visto que os saves e reloads são constantes- problema já diagnosticado aqui em outros jogos de PC, como Alice), é possível, por exemplo,salvar, arrombar um armário, ver o que tem dentro, e se o que estiver dentro não valer o uso das suas gazuas, voltar para aquele save (apesar de que o fato de que cada save tem em média 15 mb, algo exagerado mesmo para um jogo antigo).È um jeito meio fora-da-lei de burlar os desafios, é verdade.Felizmente, o jogo é um tamanho tour-de-force de design que dificilmente você se verá num problema de falta de itens como esse.Acho que eu estou mais confessando uma preocupação do que fazendo uma crítica, mesmo.


Porém, existe uma coisa mais interessante que limita a agressividade do jogador.Na maioria dos jogos eletrônicos em geral, a vida do inimigo é considerada dispensável.Porém, acho que Deus Ex é o primeiro jogo que eu vi em que existe um personagem que realmente te recomenda usar metódos não-letais para dar conta dos inimigos (existem cassetetes e dardos tranquilizantes como armas no jogo, vale lembrar).È possível atravessar o jogo matando um mínimo de pessoas (bem como é possível matar quase todo mundo, apesar da munição escassear em alguns momentos), o que é surpreendente para um gênero com tantas tendências homicidas.Isso não é um sinal de que eu virei um daqueles gamers politicamente corretos, eu ainda adoro um massacre de vez em quando (não tirem isso de contexto, por favor).Mas é refrescante um jogo que não força o jogador a seguir um caminho específico, e apresenta razões além do hi-score para isso.Isso chega ao seu clímax no final, que aliás, existem três opções diferentes de finais.Nem um deles é propriamente "bom" ou "ruim", mas os três valorizam a inclinação moral do jogador, e qual é a decisão que ele vai ter sobre o mundo.E é mais marcantes que simplesmente "salvar o mundo", como na maioria dos jogos(Outra coisa é que salvando um pouco antes do final é possível ver os três finais, mas não faça isso.Eu fiz isso porque eu sou analisador.Eu tenho esse direito, pombas.)


Se você gosta de jogos que oferecem um caminho novo para jogar e compreender desafios, Deus Ex pode ser o jogo pra você.Realmente, eu acho que a indústria já compreendeu que oferecer simplesmente vários caminhos para o jogador e mandar ele se virar não é necessariamente superior aos jogos mais lineares, mas apenas mais uma opção.È claro, quando isso é tão bem executado quanto em Deus Ex, que não dá liberdade apenas no campo da jogabilidade, como no campo da história, é lógico que vai se tornar o "must" (que expressão horrível) do design.Deus Ex teve um port para o PS2, e uma sequencia que não fez tanto barulho, chamada Invisible War, e atualmente existe um terceiro episódio á caminho.Mas o primeiro continua sendo um jogo essencial e complexo, e que vale mais algumas jogadas.

3 comentários:

Anônimo disse...

Aguardando ansiosamente pelos posts que você me prometeu. Vou cobrar, hein?

Anônimo disse...

Aguardando ansiosamente pelos posts que você me prometeu. Vou cobrar, hein?

Anônimo disse...

Leo, Leo! Desculpa pelo post repetido! =P
Seguinte: Quer fazer propaganda do nosso site? Só porque você é muito legal e nós somos meninas muitíssimo lindas e charmosas? =D